Diretor de rede de hospitais é apontado como mandante de execução de piauiense no Ceará

A Polícia Civil está investigando se o diretor de uma fundação que administra hospitais no Ceará teria mandado matar a enfermeira Jandra Mayandra, de 36 anos, assassinada em 15 de maio deste ano, no Bairro Pirambu, em Fortaleza. A informação consta no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) de quinta-feira (25).

De acordo com a publicação, o diretor, que teria sido o responsável pela contratação da vítima na fundação e no atual hospital em que ela trabalhava, apresentou “inconsistência” durante o depoimento. Para a polícia, a morte de Jandra pode estar relacionada ao processo que culminou com a intervenção na fundação.

Ainda segundo as informações do Diário da Justiça, o homicídio da enfermeira possui características daqueles efetuados por “assassino profissional” e ela seria o alvo por possuir informações privilegiadas sobre a fundação em que atuava, que recebe recursos milionários e é denunciada por fraudes.

“Consta do relatório de investigação que os executores da vítima a seguiam desde seu local de trabalho, o Hospital Dr Osvaldo Cruz. Ainda apontaram como motivação do crime o cargo que a vítima Jandra ocupava no hospital, que sua morte, possivelmente, foi a solução encontrada para silenciá-la a respeito de informações privilegiadas envolvendo a Fundação […] e o processo em que esta estava sendo investigada na cidade de Juazeiro do Norte, acontecimentos diretamente relacionado ao investigado”, diz um trecho do documento.

O diretor teve o celular apreendido, e a Justiça autorizou acesso ao conteúdo do aparelho pela polícia para investigação criminal.

“Há indícios, portanto, de que o crime foi planejado, bem como de que em face do modus operandi houve divisão de tarefas para fins de seu êxito, razão pela qual o acesso a aparelho telefônico se faz imprescindível para fins de obtenção de informações referentes às circunstâncias do crime, e modo de organização dos agentes envolvidos, informações que não poderiam ser obtidas por outros meios, considerando que o planejamento do crime, por certo, alcançou também etapa posterior, a de ocultação de elementos relacionados à autoria e à participação”, consta no documento.

Outra característica citada no documento que demonstra que o crime pode ter sido praticado por “assassinos profissionais” é que o estojo das munições que atingiram a enfermeira desapareceram do local.

“O fato de: ‘os disparos terem sido efetuados exclusivamente em direção à Jandra Mayandra, e os tiros terem sido agrupados’, além do que ‘não foram encontrados estojos de munições nas proximidades do local do crime, muito embora as informações colhidas através de populares davam conta que o atirador utilizou uma pistola, arma que extrai os estojos, e com os quais poderiam identificar a origem da munição, rastreando o lote de fabricação e sua distribuição.”

Existe a suspeita de que as munições tenham sido levados por policiais militares, de acordo com o que foi relatado por outro agente que esteve na cena do crime.

“Consta ainda nos autos a informação dada por uma testemunha policial de que ao chegar no local do crime, haviam em torno de 6 policiais do Raio, todos de moto e com fardamento preto, que teve a informação no local do crime que o calibre da arma usada no homicídio seria o ‘.40’, que em um determinado momento, indagou aos policiais do Raio como sabiam dessa informação, ‘então um dos policiais (não se recorda qual, pois o fardamento os deixam muito parecidos e inclusive é difícil identificar a graduação e nome) abriu a mão e mostrou 3 estojos de munição .40 deflagrados, que segundo o policial os estojos foram encontrados no meio-fio próximo ao carro da vítima’ e que tomou conhecimento que os estojos não foram mais localizados pelo Delegado Plantonista e pelos agentes do Coin.”

Em junho, quatro policiais militares foram presos por suspeita de envolvimento na morte da enfermeira, pois os mesmos haviam consultado no sistema da polícia informações sobre a vítima. Os agentes foram soltos depois. O Diário Oficial também traz a restituição dos bens apreendidos pertencentes aos PMs.

Contas desaprovadas

A fundação que o investigado faz parte administra o Hospital São Raimundo, no Crato, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) Vila Velha, Bom Jardim e Edson Queiroz, em Fortaleza, as UPAs de Aracati, Jaguaribe e Sobral, as UPAs Centro e Parque Guadalajara-Jurema, em Caucaia, além da UPA Pecém e do Hospital Geral Luiza Alcântara e Silva, em São Gonçalo do Amarante.

Em 2020, o Ministério Público do Ceará desaprovou as contas dos anos de 2014 a 2017 da Fundação por irregularidades na prestação de contas, registro de Atas no cartório de alterações no estatuto sem aprovação do órgão ministerial, desvio de finalidade por meio de superfaturamento na aquisição de bens e serviços prestados por lavanderias, laboratórios e empresas fornecedoras de material hospitalar e de locação de máquinas.

Documentos requisitados pelo MPCE demonstraram que proprietários de empresas prestadoras de serviços e fornecedoras de bens e produtos hospitalares para a Fundação eram, por vezes, procuradores com poderes ilimitados para praticarem atos de gestão na Fundação e no Hospital São Raimundo, firmando contratos consigo mesmos, em evidente conflito de interesses, além de terem contraído empréstimos bancários em nome da FLBM.

Ficou constatado na ocasião que algumas das empresas pertenciam formalmente e informalmente aos filhos de um ex-prefeito de Juazeiro do Norte, dentre eles um que na época era deputado federal, além de outras pessoas ligadas à família instituidora.

Dados do Portal da Transparência indicam que, de 2014 a 2020, a fundação já recebeu mais de R$ 440 milhões (R$ 441.874.857,03) em recursos públicos dos municípios de Aracati, Araripe, Caucaia, Crato, Fortaleza, Jaguaribe, Juazeiro do Norte, São Gonçalo do Amarante e Sobral.

Em uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), em junho de 2020, nas UPAs Vila Velha, Bom Jardim e Edson Queiroz, em Fortaleza, que fundamentou a decisão do MPCE de rejeição das contas, foram constatadas as seguintes irregularidades:

  • transferência de recursos financeiros entre contas bancárias de contratos de gestão diferente, sem autorização da Secretaria de Saúde de Fortaleza;
  • contratação da empresa da companheira do superintende da fundação e contratações direcionadas a empresas que tinham como sócios membros do mesmo grupo familiar do filho do ex-prefeito de Juazeiro, afrontando-se o princípio da impessoalidade e a lei de improbidade administrativa.

Embora se trate formalmente de uma instituição sem fins lucrativos, que não pode distribuir lucros entre seus dirigentes, o único patrimônio declarado na consolidação de seu estatuto, na Ata registrada em novembro de 2019, foi o de Cz$ 50,00 (cinquenta cruzados), oriundo da contribuição inicial de seus instituidores.

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